Afinal, Quem Matou o Sujeito?

Vamos pegar chuva na estrada!

Paulão olhou para o  céu e concordou com a esposa Juliana. Estavam saindo de  Araraquara e iriam até Macatuba. Queriam passar em Pederneiras, deixar uns doces na casa de uma filha. Coisa já combinada.  Por isso a preocupação.

¬          Que horas são agora, meu bem?

¬          Cinco e meia. Eu não queria viajar a noite. Demora muito ainda?

¬          Não, já limpei tudo. Os tapetes da Caravan estão até cheirosinhos. E a bagagem já está acomodada.

¬          Vou pegar minha bolsa, então.

¬          Vai. Temos que passar no posto pra abastecer.  A Caravan está doidinha pra por “os pés” na estrada”

Os dois sexagenários, ambos aposentados, estavam indo para um fim de semana na casa de um filho em Macatuba, cidade canavieira da região de Jaú. A estrada, relativamente boa,  começava a ficar movimentada nesse  final de sexta feira.  Paulão e Juliana a conheciam bem e sempre faziam essa viagem . Eles se davam bem e faziam a viagem cantando canções da juventude. Eram 18 horas de um horário de verão daquela sexta feira de um dezembro quente e chuvoso quando deram a partida.

No mesmo instante, em Dois Córregos, dona Elis, uma negra animada e bem humorada, líder comunitária em Bauru, apressava sua neta de 16 anos a entrar no carro.

¬          Vanessa!!

¬          Calma vó, quero fazer mais uma foto.

¬          É que está ameaçando chuva.

¬          Calma, vó

¬          Olha a água do rio, como já está parecendo que está chovendo.

¬          Então, quero fotografar isso

Dona Elis tinha levado sua neta para conhecer um bairro em uma pedreira na beira do rio Tietê, onde tinha passado a sua infância. Tinha saído de Bauru com o seu fusca 74 logo depois do almoço e estava pronta pra retornar, não fosse a paixão por fotografia  de Vanessa.

¬          Enquanto tiver um pouco de luz vou aproveitar, vó.

¬          É que viajar a noite com chuva é difícil

¬          calma, vó

¬          e sexta feira tem sempre mais carros na estrada

¬          já to indo, vó.

Em Bocaina, André e Nina terminavam de conversar com o padre e agradeciam a oportunidade de poderem fazer um documentário com ele sobre as pinturas de Benedito Calixto, o artista que inclusive arquitetou o prédio do Banespa em São Paulo. André morava em Vera Cruz e estudava em Marilia. Vera Cruz também tem obras de Benedito Calixto, inclusive sua igreja é uma réplica do prédio do Banespa. Nina era sua namorada e haviam discutido muito na viagem de vinda. Ela queria terminar a relação mas queria continuar amiga. Só não queria mais sexo. Ao entrar no Gol branco e bem conservado, André imaginava que, depois do sucesso do trabalho, poderia convencer Nina a mudar de idéia. Já começava a escurecer e raios e trovões já lhes provocavam uma estranha sensação de uma viagem diferente.

¬          Você quer comer alguma coisa antes de sair pra estrada?

¬          Não , obrigada. Quero chegar logo em Marilia. As meninas da república estão me esperando pra sair.

¬          Sair? Sair pra onde?

¬          Sair, ué!  Só sair.

¬          Ah; não acredito.  Você quer terminar comigo só pra sair pra night?

¬          Porque você está dizendo isso? Mesmo com você eu sempre saí com elas. Quantas vezes a gente se encontrou por aí quando eu saí com elas?

¬          Mas era diferente.

¬          Porque diferente?

¬          Você sabia que ia me encontrar. Então, na verdade você estava saindo pra se encontrar comigo.

¬          Nem sempre.

¬          Como assim; nem sempre? Pô, não estou entendendo. Você não era afim de mim?

E a discussão corria solta quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair. Já começava a escurecer apesar de ser pouco mais de seis e meia da noite de um horário de verão. Eles já se aproximavam da ponte do rio Jacaré Pepira quando a chuva apertou.

Alberto também dirigia um Gol branco, mais novo e vinha da Barra Bonita. Quando a chuva ficou mais forte ele estava subindo um aclive forte perto de Jaú e mesmo com a terceira faixa na pista, preferiu ir atrás de um treminhão que devia estar, mais ou menos, a 20 por hora. Tão cuidadoso,  Alberto era vendedor viajante ou representante comercial como preferia. Sempre as voltas com vendas e cotas de uma distribuidora de material elétrico de Bauru. Saia sempre de manhãzinha e voltava no final do dia. Nessa sexta feira ele estava contente; as vendas tinham sido excelente. Não via hora de chegar em Bauru e ir se encontrar com os amigos numa mesa de chopp onde ia comemorar a boa semana que tivera. Ia cantando sambas antigos que tocava em seu rádio de carro ainda com fita cassete. Assustou-se quando, do treminhão, caiu um pedaço de cana no para brisa de seu carro. Resolveu sair de trás do caminhão e apertar o pé. Logo estaria em Jaú e depois pegaria pista dupla para Bauru.

Raul e sua turma haviam programado aquela viagem para Bauru para assistir a um show musical no Sesc  dez dias atrás. Como Jaú fica a 50 km aproximadamente, eles iriam sair em dois carros, um corsa e um Passat Pointer  por volta de 20 horas, já que o show estava programado para as 21h. Mas como o tempo estava fechando e os oito amigos já estavam reunidos, resolveram sair mais cedo. Se preciso, ficariam no bar tomando cervejas enquanto esperavam.

A rodovia que liga Jau a Bauru sempre foi bem conservada, pelo menos até  Bauru, já que ela prosseguia até Ipaussú, perto da divisa com o Paraná. Entre Jaú e Bauru havia a ponte sobre o rio Tietê e antes dela uma descida longa e com curvas suaves. Já chovia forte e estava bem escuro. Dona Elis reclamava muito, principalmente com a borracha do limpador de para brisa que não limpava nada. Quando era ultrapassada por alguém e recebia um jato de água no vidro de sua porta xingava em voz alta.

¬          Calma vó!

De repente, de repente mesmo,  viu uns carros parados, no meio da pista . Apavorou-se mais quando sentiu um soco no assoalho do fusca. Desgovernou-se e quase entrou dentro do canavial.

¬          Vovó!!

¬          Meus Deus!  O que foi isso?

Estava ainda tremendo dentro do carro quando olhou para Vanessa e sentir que ela estava bem.  O carro girou de lado e ela ficou, no acostamento, de frente para a pista. Gritou quando viu um Gol branco também passar sobre aquele volume na pista e depois frear bruscamente. A chuva continuava forte e relâmpagos iluminavam uma cena assustadora; o volume era o corpo de um homem que jazia no meio da pista. Ao lembrar que ela tinha passado por cima, sentiu vontade de vomitar. Saiu do carro, e mesmo enxarcada, pode perceber outros cinco carros parados. Todos tinham passado sobre o corpo. Todos, até Vanessa, estavam fora, na chuva forte, olhando aquele homem estendido no chão, claramente identificado como um andarilho, com suas roupas avermelhadas pelo barro e pelo sangue que corria com as águas da chuva. Outros carros foram parando  e olhando. A Policia Rodoviária chegou e perguntou em voz alta

¬          Quem  passou com o carro sobre o sujeito ?

 Seis motoristas ergueram o braço, Raul e seu amigo, Paulão, Alberto, Dona Elis e André. Todos realmente, tinham passado com o carro sobre o corpo.

¬          Mas, quem foi o primeiro? Quem atropelou o sujeito?

¬          Quando eu senti o choque ele já estava deitado na pista.

André queria dizer que, daqueles seis, ele tinha sido o primeiro, mas tinha certeza de que não tinha atropelado. Todos afirmavam que passaram por cima, mas ele já estava morto

A chuva continuava forte. O trânsito começou a ser  liberado. Um a um dos seis carros envolvidos entravam na viatura da policia, onde  seus dados eram anotados e seus documentos conferidos. Depois de uma hora chegou uma ambulância que levou o corpo. Por alguns papeis e documentos encontrados em um saco que a vitima carregava ficou-se sabendo que o andarilho era um médico veterinário que havia entrado nas drogas, viciado-se em drogas pesadas e acabado no crack e o que viesse.

Alguns meses depois Dona Elis encontrou-se com Alberto por acaso. Ele estava em um bar tomando chopp e ela tinha ido com Vanessa ouvir um amigo tocar violão. Depois de um cumprimento rápido ela pôs a mão em seu braço e perguntou baixinho:

¬          Afinal, quem matou o sujeito?

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