Cultíssimo

CULTÍSSIMO

Ouvi de uma senhora, professora universitária aposentada, duas frases instigantes. A primeira, referindo-se a seu marido diz que “ele é autodidata, lê de tudo, conhece tudo e hoje ele é cultíssimo”

Bem assim, nesse superlativo; “cultíssimo”.

No transcorrer da conversa, ouvi outra frase, também, referindo-se ao seu marido; “ ele anda cada vez mais fechado, desanimado, irritando-se com qualquer coisa”. Abri os olhos, franzi a testa, mas logo em seguida, voltei ao normal, já que a imagem do “cultíssimo” havia se dissolvido.

Produzi um documentário para o Instituto Yauaretê dentro do projeto Pontos de Cultura chamado A Identidade Cultural da Região de Bauru onde se perguntava “O Que Será a Cultura?” Personalidades das artes deram seus depoimentos e uma narrativa na voz da diretora do Instituto Yauaretê, Sandra Pereira, tentava unir os mais variados conceitos.

Não satisfeito , produzi um evento na Escola Ernesto Monte denominado Culturando, junto com a secretaria municipal de cultura. Foram 19 palestras sobre segmentos artísticos. ( Eram 20, mas o palestrante que iria falar sobre cinema, confundiu as datas e não apareceu, infelizmente) Os alunos do ensino médio foram o público alvo, mas algumas vezes, também compareceram classes do ensino fundamental. Eram palestras interativas, com a participação dos alunos, e onde havia uma exposição de materiais relacionados com o segmento artístico. Teatro, dança, música, literatura, arquitetura, artes gráficas, arte circense, escultura, pintura, entre outros segmentos. Palestras muito interessantes e educativas, como o hip hop, o artesanato e artes culinárias. Logicamente, gravei tudo e assisti a cada uma delas, pelos menos, duas vezes cada.

Ao ouvir, ali, as estórias e a história de artistas famosos como Puccini ou Rodin, Niemeyer, Pavarotti, Rembrant e tantos outros que deixaram suas mais puras emoções do jeito mais palpável possível, de forma que eu possa tocar ou que possam tocar meus ouvidos ou meus olhos, fiquei imaginando como a arte pacifica o ser humano.

Imaginei também que para entender a emoção contida em uma obra é preciso estudar essa obra de arte e procurar ter a mesma sensação do artista. É óbvio que não é fácil; os instintos nos impedem. Qualquer incômodo físico nos impede.

Fiz, então, uma correlação com a cultura agrícola, cultivando milho, por exemplo. Visualizei todo o processo de preparação da terra, a semeadura, a adubação e até a colheita antecipada do milho, ainda verde. Ele serve para se fazer a pamonha, ou o bolo, ou o curau, mas não se reproduz. O milho precisa estar maduro para se reproduzir.

Acho que a cultura do ser humano é mais ou menos assim, que precisa ser cultivado e estar suficiente maduro para se reproduzir. Um homem maduro conhece suas limitações porque tentou e errou, tentou e acertou,  mas provavelmente, mais errou que acertou. E, se um homem, ao perceber o sabor amargo do erro, procurar acertar, certamente estará evoluindo e, ao avançar, procurará o prazer, dará vazão aos sentimentos e entenderá a emoção.

Nessa hora ele deve procurar entender a intenção do artista, de qualquer gênero, ao ler um livro, assistir um filme ou observar uma pintura e sentir o que lhe toca, realmente.

Sobre si, então, passarão as lâminas do arado, revolvendo velhas camadas de vida. Sobre si cairão nutrientes e sementes e sobre elas as gotas de chuva que as germinarão. Assim, o homem se multiplicará e envelhecerá como o milharal, caindo ao chão para dar lugar ao novo. Um homem que se cultivou e generosamente dá seu lugar ao novo é um homem culto, presumivelmente, sábio, seguro, sereno, maduro. Não se irrita com o tempo, que lhe deu tempo suficiente para saborear a emoção em vários formatos.