O DUENDINHO

Contam que, em um lugar muito, muito longe daqui (e toda maldade também), existe um lugar muito lindo. Mais lindo do que a própria beleza.

É um bosque de árvores frondosas, que dão flores o tempo todo e que, de dia, os galhos dessas árvores deixam passar apenas fachos da luz do sol. E de noite deixam passar toda a luz da lua.

É um bosque onde os rios, riachos e regatos tem a água mais limpa que existe, com muitos peixes e muitos peixes coloridos e muitas flores em suas margens.

É um bosque onde, em seu chão, só tem grama macia, sem insetos e formigas; e que se pode andar descalço e sem medos, ouvindo lindas canções que o vento compõe a todo instante.

É nesse bosque que vive Patchiuk; um duende menino, de olhos azuis muito espertos e um sorriso iluminador.

Patchiuk é novinho ainda, mas já tem muitos anos (os duendes sempre tem mais de cem anos) e vive a brincar com seus amigos e parentes. E todos a brincar com as coisas da floresta. Dançavam e cantavam com pássaros e esquilos todos os dias as mais belas sinfonias.

Um dia, passeando sozinho pelos caminhos, Patchiuk pisou em algo ruim. Nunca havia sentido aquilo. Era uma planta pequena, feia, cheia de espinhos. Tinha espinho até nas folhas.

Olhando mais atentamente percebeu outra aqui, outra ali, e outras fora do caminho. Ficou muito assustado. Mais do que isso; ficou preocupado.

O que seria aquilo? Será que seu bosque estava mudando? Envelhecendo? Será que seu bosque estava doente? Será que ele teria que viver preocupado com o que iria aparecer agora? Onde pisar? Teria que viver preocupado e atento? Será que ele não poderia mais andar descalço? Haveria outras plantas feias e perigosas como aquelas em outros lugares do seu bosque?

Resolveu, então, procurar seu pai. Contou-lhe tudo e ficou um pouco surpreso ao perceber que ele já sabia. Mas da forma como Patchiuk lhe contara, com tanta preocupação, fez com que ele decidisse levar o assunto ao conselho dos anciãos que, alias, já sabia do problema.

O que Patchiuk ouviu do ancião mais velhos deixou-o bem mais preocupado.

–           Cada vez que um humano mortal perde a fé, sua alma se endurece. E no bosque das ilusões nasce uma erva daninha……

–           Oh.

–           Portanto, cada planta feia que você descobriu é mais um humano que não tem mais sonhos……

–           Mas, isso é impossível…… como é possível viver sem sonhos?

–           ….. é mais um humano que não acredita na fantasia…

–           …..como é possível viver sem fantasias, sem ilusões…..?

–           Pois é…..

–           E agora?

–           Por isso o conselho convocou essa reunião e vai tomar uma decisão protelada há muito tempo.

–           E qual é, ancião?

–           Vamos enviar um emissário ao mundo dos mortais…

–           Oh…..

–           Sim, vamos avaliar o estado de espírito das pessoas… e acredito que o emissário ideal é o próprio Patchiuk, que nos trouxe o problema de forma tão convincente.

–           Eu!!!?

–           Sim. Está decidido. Traga- nos noticias reais…

O ancião chefe começou a bater palmas, cadenciadamente, e todo conselho também começou a bater palmas….. e esse som levou Patchiuk, imediatamente, ao mundo dos humanos.

Ninguém o veria e assim poderia entrar nas casas das pessoas e observar o que faziam.

Mas a primeira imagem que teve não foi em uma casa, não; foi em uma praça, parecida com um bosque, com árvores, belos caminhos e pessoas caminhando. Havia também bancos e pessoa sentadas nos bancos. Não gostou. As pessoas sentadas não sorriam e as que caminhavam estavam apressadas demais. Indiferentes. Preocupadas. Resolveu seguir um casal de jovens e ouvi-los. Ali haveria sonhos e fantasias, certamente.

Enganara-se. A moça contestava os ciúmes do moço e reclamava por liberdade. O moço argumentava com juras de amor e frases feitas. Não havia amor ali. Nem alegria ou fantasia. Apenas desejos simples e uma tentativa de não se perder uma comodidade. Será que não se lembravam do primeiro olhar entre eles?

Voltando-se, cruzou com um homem velho. Resolveu segui-lo e ouvir seus pensamentos. Acabou caindo num caldeirão de mágoas e reclamações. O homem velho sentia-se abandonado e só. Cobrava companhia dos filhos, que custara tanto criar e agora só pensavam em suas vidas. Será que esse homem velho não se lembrava mais de quando os segurou no colo. O quanto se divertiu com aquelas crianças? Será que não se lembra de seus primeiros sorrisos, ainda no berço?

Viu perto dali uma casa e sons de crianças brincando. Resolveu observar a família, pois ali haveria sonhos e fantasias. Sorriu muito quando viu as crianças brincando e criando tantas fantasias que quase se esqueceu de sua missão e foi brincar também….  Mas parou quando a mãe das crianças veio gritando que já era hora de parar de brincar,  pois já era hora de disso ou daquilo. Quando uma das crianças demorou-se um pouco mais a mulher, nova ainda, quase lhe bateu. Será que essa mulher, nova ainda, não se apercebeu do quanto ela estava sendo injusta? Será que essa mulher não brincou quando era criança?

Em seguida o pai das crianças chegou do trabalho e parecia irritado. Nem cumprimentou a mulher e reclamou de algo de ontem; nem carinhou os filhos e quis impor respeito com um olhar de falso mau. Patchiuk foi pra outra casa; e pra outra e pra outra e em todas encontrou clima de discórdia entre homem e mulher, entre, entre pais e filhos e até entre irmãos. Viu a solidão de quem vive junto, a reclamação pelos maus resultados da própria incompetência, a intolerância de quem se julga mais, a indiferença dos cegos de espírito, a insegurança dos ignorantes ser transformada em agressividade e o medo de ser ultrapassado. Viu a mulher chorando pela amizade distante, viu o homem chorando pela saudade atuante. Viu a angústia fazendo morada no peito de quase todos os adultos. E pode visualizar a angústia também quando viu crianças no meio do mal e do crime.

 Era realmente um mundo de poucas e pálidas cores. Pachiuk, que, agora,  observava tudo sentado num galho de uma árvore, em uma rua cheia de carros velozes e barulhentos, teve uma sensação muito estranha. Era uma vontade de chorar que ele não conhecia,  até então. Será que os humanos não percebem que o tempo deles é muito rápido e não se pode desperdiçá-lo? Será que eles não entendem que qualquer  mágoa já nasce com raízes muito fortes?  Patchiuk, então, resolveu agir. Rapidamente entrou em um carro parado no sinal de transito e começou a falar no ouvido de uma mulher que estava ao volante. Mas, ela não o ouvia. Percebera, em seus pensamentos, que ela estava irritada com seus filhos, que insistiam em falar em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa enquanto sua religião proibia toda e qualquer idolatria. Ficou indignado. Falou com tanto empenho que imaginou que ela pudesse ouvi-la. Falou sobre fadas lindas e bondosas, sobre bruxas malvadas mas nem tão malvadas assim, falou sobre elfos e gnomos. Falou sobre a flauta mágica e a beleza da princesa, falou sobre a caverna dos piratas e naves espaciais coloridas. Falou até de sua primeira boneca, que ela amava tanto. Mas, nada conseguiu! Ela permanecia angustiada e irritada.

Ela não o ouviu porque humanos adultos não escutam duendes. Mesmo assim quis insistir e pousou no ombro do homem sisudo, de terno e pasta executiva que passava apressado. Com a boca próxima a seu ouvido perguntou se ele não se lembrava de  sua última gargalhada dada  e porque não sorria em homenagem a ela. Mas o homem continuou sisudo; e apressado. Patchiuk subiu pelos ares e olhou a cidade de cima, bem do alto. Quantas casas. Quantas janelas. Quantos muros. Tantas pessoas passando, se cruzando e tantos desencontros. Pensou numa última tentativa e pousou ao lado de um homem sentado numa mesa de bar. Estava sozinho e olhava o nada. Mas, pensava muito e Patchiuk sentiu o desalento evidente naquele olhar. Era um cansaço só, um desânimo total. Patchiuk lembrou-se, então, de um conselho de seu pai para tentar conseguir contato com um humano mortal. Deveria imaginar e criar estrelinhas, muitas estrelinhas, as mais brilhantes que pudesse criar. E torcer para que o humano as notasse. Feito isso deveria dizer o que quisesse dizer. Quase chorando, com o peito repleto de esperanças, aproximou-se bem e começou a falar:

Homem, por favor, me escute!! Estás vivo, não lamentes nada!

 Saibas que tua vida apenas começa quando entenderes o valor dela.

Ela não há de ser apenas isso que fazes para sobreviver, mas principalmente, o que não fazes.

 Ela não há de ser apenas o que tocas, como o vidro desse copo, mas principalmente o que não tocas, como esta música que escutas agora.

Ela não há de ser apenas teus compromissos importantes, com pessoas importantes, mas principalmente aquele teu compromisso simples, contigo, que não consegues cumprir, sempre te provocando um sorriso amarelo, por não conseguires cumpri-lo.

Tua vida deve te provocar um sorriso em todas as cores.

Ela não há de ser apenas saudades, que são boas lembranças que entristecem, mas principalmente a saudade transformada em risada cada vez que for lembrada. Tua vida deve ser sempre lembrada com muitas risadas.

Cuida de tua vida e das pequenas coisas do teu dia, principalmente as que não consegues tocar, como a delicadeza, o afeto, o respeito e o sorriso.

Cuida do teu sonho antigo e o refaça, Compartilhe teu sonho, converse sobre ele, viva o encanto da possibilidade de talvez, e apenas talvez, realizá-lo.

 Imagine teu sonho realizado e talvez nem precise realizá-lo.

Use tua imaginação e permita, humildemente, que os outros imaginem também. E divirta-se com isso.

Permita-se falar sobre isso, ouse falar sobre sonhos com qualquer um e verás que o resultado é bem melhor que os  teus receios e medos tão  improváveis”

Não desfaleça em vida. Não desperdice o tempo com coisas menores como a inveja, a mágoa ou o ciúme.

Dê-se o direito de ouvir uma canção por inteiro, acorde por acorde. Chore se a vontade vier e sinta orgulho por ter sido tão forte

E principalmente, permita-se emocionar-se. Sinta-se criança ao assistir um filme de criança e sinta-se humano ao perceber o amor.

Patchiuk já não sabia mais o que dizer. O homem continuava como antes. Ao redor, todos continuavam como antes. Patchiuk sentiu-se derrotado e resolveu voltar ao bosque. Falaria ao ancião mais velho como era impotente para resolver tamanho problema e que se preparasse para ter mais e mais flores feias e espinhentas pelos caminhos. Percebera que não poderia nunca interferir na vida dos humanos e que nenhum outro ser da floresta encantada tinha poder para tanto. Só lhe restava essa tristeza agora. Fez isso, falou ao ancião, a seu pai e a todos. Foi então para casa e deitou-se no colo de sua mãe e pela primeira vez derramou uma lágrima. Sua mãe acariciou seus cabelos loiros e sorrindo disse que fosse brincar na floresta. Meio a contragosto pôs-se a caminhar e um sorriso enorme iluminou seu rosto quando viu que a primeira planta feia que encontrara estava começando a murchar.  

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