Contos Quase Reais (4) – A Barriga do Bebê

1.300 km de estrada de ferro ligam Bauru, interior de São Paulo a Corumbá, em pleno pantanal, no Mato Grosso do Sul.

Bolívia             Rio Paraguay

Corumbá               Mato Grosso do Sul

Miranda

Aquidauana

Campo Grande

Três Lagoas                Rio Paraná

   Andradina

Araçatuba                              São Paulo

Lins

                                                       Bauru

Durante muitos anos os trens de passageiros interligavam as duas regiões e o trem que ligava os dois terminais ficou conhecido como o ‘trem da morte’ .

Corumbá é a porta de entrada da Bolívia para os brasileiros e ate há um prolongamento da estrada que segue ate Santa Cruz de la Sierra.

Outros horários de trem cobriam um ramal que liga Campo Grande a Ponta Porã; alguns horários de Campo Grande a Bauru e horários de Campo Grande a Corumbá.  E Ponta Porã faz divisa com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, dividida por apenas uma avenida. Era de se supor que o trem transportasse o inimaginável. Mas além desse inimaginável, o trem transportava muitos passageiros. E haviam pessoas que serviam esses passageiros durantes essas longas viagens.

Paquito era um desses senhores que parecem ter saído de uma caricatura ilustrada. Magrinho, cabelo ralo com entradas e um bigodinho bem fino calçando um nariz pontiagudo. Meio século de vida e parecia que nunca foram jovem e que nunca seria velho.

Paquito vendia revistas e jornais no trem. Por deferência especial, também vendia o suco de pneu, que era o tradicional cafezinho vendido aos corajosos passageiros. A viagem de Corumbá a Bauru começava as 8 horas da manha, pelo horário de Mato Grosso do Sul, que é uma hora a menos e terminava no outro dia em Bauru, por volta de 14 horas, quando não havia atraso, o que era bastante comum.

Era verão e o calor em Corumbá é insuportável para os desacostumados mas Paquito, com o seu paletozinho azul marinho de tergal e seu quepe de aba de plástico parecia nem sentir o tempo, quanto mais a temperatura. Aquela viagem prometia, porque ao subir na composição o ajudante do maquinista escorregou e se ralou todo. Medicado, atrasou a partida em, pelo menos,  meia hora.

E, quando o trem de passageiros atrasa, todos os trens de carga que estão no trecho, atrasam também. Era uma sucessão de atrasos.

A voz de Paquito era metálica,  puxando esses e erres, herança de um antigo desejo de ser locutor de rádio. E a cada frase mais eloqüente, erguia as sobrancelhas, enrugando toda a testa. Aliás, ele era muito querido por toda a equipe do trem.

Começar a viagem pela manhã proporcionava aos passageiros um espetáculo fantástico na travessia do Pantanal. Jacarés, capivaras, veados, macacos e pássaro aos bandos compunham cenas inesquecíveis… Como os trilhos foram construídos em região alagada, era necessário uma velocidade moderada e, às vezes, bastante lentas, o que permitia uma observação privilegiada por quem conseguia um lugar nas portas ou nas janelas dos vagões.

Pelos corredores, a rotina do trem começava. Ora era o bilheteiro, ora eram os vendedores, como o Paquito.

Já se aproximava do meio dia e Paquito começou a oferecer o almoço. O passageiro poderia ir ao restaurante ou almoçar na poltrona mesmo, recebendo o famoso PF; um prato feito com arroz, feijão, macarrão, um bife e duas rodelas de tomate. Foi ai que Paquito notou aquele casal,  num vagão de primeira classe. Voltando para o carro restaurante foi pensando, pensando…

–           Que casal estranho…..

–           Que que é Paquito….? Perguntou Barba, o cozinheiro.

–           Nada não, acho que é impressão minha… Tem mais PF pronto ai?

–           Claro… Leve esses seis aqui….

–           Ta bom… Daqui a pouco volto pra acertar.

Colocando um prato vazio sobre o prato com a refeição e fazendo um pilha, Paquito colocava a mesma em um pano, amarrava as duas pontas atrás do pescoço o que facilitava em muito o transporte. O casal havia pedido dois PFs que deveriam ser entregues na próxima vez, mas Paquito não se conteve, passou por quem estava na frente e foi lá no carro de primeira.

–           Olha o almoço de vocês…. Ta quentinho… Se tiver o dinheiro trocado, eu agradeço…

O rapaz pagou com uma nota e disse que Paquito poderia ficar com o troco. Era um bom troco e Paquito saiu rapidinho temendo um arrependimento. Mas, mesmo assim notou a expressão assustada da moça e pode notar que entre os dois havia um bebe, provavelmente, dormindo. No caminho de volta, anotou pedidos de refrigerantes e os trouxe, junto a mais uma pilha de Pfs. Não tinha mais nenhuma entrega naquele carro, mas foi lá,  mesmo assim. Quem sabe alguém já teria terminado de almoçar e ele, então, traria os pratos vazios. Passou bem devagar pelo casal e teve que desviar o olhar,  porque o rapaz o encarou de forma ameaçadora.

Reparou que a moça nem tinha aberto o prato ainda.

Voltou para o restaurante para fazer o acerto daquela entrega.

– Tem um casal muito estranho num carro da primeira…

–           Como assim…?. Quis saber Rodolfo, o gerente do restaurante…

–           Não sei não… O cara é magrinho cadavérico, vermelhão, tem bigode e cavanhaque ‘de bode’ e ainda usa óculos escuros o tempo todo.

¬          E que é que tem isso?

–           Não sei.. A moça que tá com ele é morena, bonita, parece uma ‘crucenha’, mas pelo sotaque, parece ser carioca….

–           Ainda pergunto o que é que tem isso…?

–           Não sei… Parecem assustados…

–           Assustados?

–           É eles não relaxam… E tem ainda o bebê…

–           Bebê?

–           É… A criança ta muito coberta, num calorzão desse….

–           Vai ver é pai de primeira viagem…

–           Pode ser… Mas eles nem se falam  direito…

–           Vai ver tão brigados…

Era comum Paquito voltar de suas entregas com estórias para contar e todos já estavam acostumados. Alias, gostavam muito. Por isso da forma como ouviram, esqueceram. Paquito voltou levando mais refrigerantes e tinha muita pressa, já que estava chegando mais uma estação.

–           Chipa… Olha a chipa…

As vendedoras de chipa, na plataforma de Miranda, ainda lembravam as fronteiras de Bolivia e Paraguai, que fazem de Mato Grosso do Sul um estado tão especial. Chipa é um biscoito de queijo, tipo pão de queijo mineiro, com forma mais alongada.

Paquito não gostava muito desses vendedores, já que eram seus concorrentes diretos mas sabia que isso criava a atmosfera da viagem. Muitos daqueles passageiros eram turistas e ele sabia como turista gasta com qualquer coisa diferente. O trem movimentou- se ao mesmo tempo em que ele passava por aquele casal. O rapaz parecia dormir e a moça segurava e bebe no colo, de encontro ao peito. Paquito continuou rápido mas ficou imaginando a cena. Quando chegou no restaurante não se conteve.

–           Caramba, mas assim o neném não respira….

–           Como é,  Paquito?

–           Sabe aquele casal estranho que lhe falei?

–           Que tem….?

–           A moça não parece mãe, não…

–           E porque?

–           Ela não sabe nem segurar o neném…(pegando a garrafa térmica)  Ela está apertando a cara do neném assim, ó, contra o peito… Desse jeito ele vai se sufocar…..

–           E você acha que ela não sabe disso, ô Paquito.!!!.

Paquito nem respondeu. Pegou a garrafa térmica com café, os copos americanos, de vidro, e saiu.

Atendendo um aqui, outro ali, esqueceu- se do casal e seu bebê. Só foi se incomodar um pouco quando viu aqueles ‘federais’ embarcando em Aquidauana.

Já conhecia os dois de outras ‘batidas’ e sabia que eles não facilitavam nem um pouquinho. Eles eram de Campo Grande, mas quando havia alguma denuncia, iam de carro ate Aquidauana, armavam a ‘campana’ e preparavam o flagrante, contando com o reforço em Campo Grande, onde outros agentes aguardavam. De Aquidauana a Campo Grande passariam ainda algumas horas e Paquito ficou ‘patrulhando’ os dois agentes tentando descobrir o ‘avião’, que é a denominação dada ao transportador de drogas compradas na fronteira. Percebeu um dos agentes fingindo ler uma revista em quadrinhos, sentado na primeira poltrona do vagão enquanto o outro ficava em pé na outra ponta de vagão. De repente, e lentamente, os dois trocavam de lugar, cruzando- se pelo corredor sem mesmo se olharem. Paquito já havia visto esta operação mais de uma vez, em outras viagem, e sabia que quando eles detectavam o ‘avião’, ficavam no vagão, juntos, esperando Campo Grande. Ainda não havia acontecido isso. Isto é, não haviam ainda encontrado o, ou os traficantes. Normalmente, tinham a descrição anotada em papel e antes de ‘correr’ outro vagão, conferiam juntos a descrição.  Sabiam também que o denunciado descrito, às vezes, não embarcava e passava o ‘bagulho’ para outro “avião”. Quem fazia a denuncia, normalmente, era o próprio vendedor da droga, na Bolívia. Quando não encontravam o descrito passavam a procurar comportamentos suspeitos. Por fim, colocavam a jaqueta com a inscrição da Policia Federal e observavam as reações. Paquito conhecia todo esse processo e procurava não estar muito perto quando acontecesse o flagrante. Mas, estava percebendo que os dois agentes não estavam tendo sucesso, não. Já era final de tarde, Campo Grande se aproximava e nada de abordagem. Paquito já achava que não havia traficante naquele trem.

Começo da noite e o trem parou na estação de Campo Grande. Os dois agentes desceram. Paquito pode observá-los conversando com outros três na plataforma, viu os cinco subirem, correrem todos os vagões, revistarem os carros dormitórios e novamente descerem sem nada apurado. Em Campo Grande o trem demora um pouco mais para sair, mas naquele dia demorou um pouco mais. Já passava das oito e meia da noite quando se ouviu o apito do chefe do trem autorizando o maquinista sair.

Paquito passou recolhendo os últimos pratos do jantar e a cada vez que chegava ao carro restaurante, contava mais um pouco do trabalho frustrados dos agentes federais.

–           Mas parece que um deles esta seguindo viagem – comentou Barba.

–           Eu não vi retrucou Paquito

–           É um que eu conheço… Ele esta no segundo vagão da  Primeira

–           Será que está de serviço?

–           Claro ! Está sem bagagem…

–           Deve descer em Ribas do Rio Pardo, então…

–           E deve ter viatura esperando por ele lá… Deve ser coisa grande que eles estão procurando…

–           Bem… Vou oferecer cafezinho…

–           Qualquer coisa vem contar….

–           Tá…

Mas não havia nada pra contar. A composição cortava a escuridão e dentro dos vagões os passageiros procuravam a melhor posição em busca do sono. O tac ti tac das rodas deslizando sobre os trilhos  e o balanceio lateral do vagão criava uma sensação, no mínimo, estranha a quem se detinha no detalhe do ambiente. Já era uma hora da madrugada quando o trem se aproximou de Três Lagoas e o chefe do trem passou coletando os bilhetes de quem iria desembarcar. Paquito aproveitou para se aproximar do tal agente e constatou que ele não descera em Ribas do Rio Pardo e que também não dormira nem um pouco. Chegou bem perto, abaixou e quase cochilou.

–           Quer um café?

–           Tem?  Quero… Obrigado.

–           Vou buscar…

Paquito nem sabia se havia café quente ainda; mas não resistira a curiosidade e se arriscou. Chegou no carro restaurante, adentrou a cozinha e encontrou Barba ainda acordado.

–           Barba, tem um café, ainda?

–           Não.

–           Não?

–           Não.

–           Puxa vida! Eu precisava de um café, urgente.

–           Porque?

–           Eu precisava agradar uma pessoa…

–           Que pessoa?

–           Um federal… quero saber qual é a ação deles hoje…

–           Como assim?

–           É que desde Aquidauana eles estão atrás de alguma coisa… e até agora não conseguiram fazer o flagrante… se não fizerem em Três Lagoas, é porque a coisa é grande e difícil…

–           E o que você quer?

–           Quero puxar uma conversa com o federal… saber alguma coisa.

–           Tá bem… vou passar um rapidinho…

Paquito entregou o café ao agente e já perguntou.

–           Posso ajudar em alguma coisa?

–           Como é?

–           Eu sei que você é da federal. E que está de serviço.

Aqui na composição a gente sabe…..

–           Qual o teu nome?

–           Paquito, seu criado…

–           Olha aqui, Paquito, estamos procurando um gordinho, mais ou menos 1,60 de altura, cabelos crespos, castanhos bem peludos, com uma maleta de couro cru e uma mala marrom, grande . De dia, ele usa óculos escuros o tempo todo…

–           Não está no trem…

–           O que?

–           Só se estiver nos carros dormitórios…

–           Já checamos os três…. lá não esta….. mas temos certeza que ele embarcou com pelo menos três quilos de ‘pó’….

–           Três quilos?

–           Ainda não é muito…. mas ficamos sabendo que ele compra do mesmo fornecedor pelo menos quatro vezes por semana…

–           Por semana?

–           Já viu a quantidade, né?

–           E como ele faz?

–           É o que queremos descobrir agora…

–           E nada?

–           Nada…

–           O senhor esta sozinho?

–           Não.

–           Onde está o outro?

–           Precisa dizer?

–           Claro que não.

–           Você é inteligente, Paquito….

–           A gente pode ajudar?

–           Fique de olho….

–           ok, chefe

Paquito desceu um pouco na plataforma em Três Lagoas e se imaginou um super agente secreto.

Andou lentamente, pela lateral do trem observando as janelas e seus ocupantes, perguntando- se ‘cadê o gordinho?’. Num repente de raciocínio, concluiu que o gordinho não era o ‘avião’ e que contratara alguém. Mas, quem? Mesmo com o movimento de embarque e desembarque, a maioria dos passageiros continuava dormindo. Entrou novamente no trem e passou lentamente pelos corredores dos vagões. Seria aquele gordo com aquela mala no colo, dormindo tão profundamente que chegava a babar? Seria aquele negro de boina colorida e fones no ouvidos,que já tomara três cervejas desde Campo Grande? Ou seria aquele senhor careca, de bigode, de paletó cinza e camisa branca, que ficava mastigando aquele palito de fósforo?. Como saber? Os federais já haviam usado seus truques e ninguém se entregou. Então, como fazer?  O melhor mesmo era dormir um pouco. E assim fez. Perto de seis horas já estava enchendo a garrafa térmica de três litros para correr os vagões.

O trem já se aproximava de Castilho e logo chegaria a Andradina, já no estado de São Paulo. Paquito percebeu que fazia calor porque alguns passageiros comentaram sobre isso. Mas não se abateu.

Atravessou os carros de primeira classe e quando começou os da segunda, lembrou- se do casal com o bebê. Chegou perto e viu que os três dormiam fundo, apesar do calor e da claridade das seis horas do verão. A paisagem, vista pelas janelas já era completamente diferente, com muito mais construções, apesar de muito pasto e muito gado ainda. Castilho passou e Andradina, onde a parada seria maior já se aproximava. Paquito procurou saber do agente da policia federal, já que embarcara em Campo Grande, sem bagagem, e que deveria estar trabalhando o tempo todo. Não o achou na primeira passagem. Deveria estar no banheiro. Na verdade, estava mesmo é curioso para saber quem era o outro agente e se fariam o fragrante em Araçatuba, onde sempre havia mais agentes da policia federal. Mas nada. A viagem transcorria sem problema algum. Para Paquito, os federais estavam aproveitando a viagem pra passear e até mesmo chegar a Bauru, pra fazer algumas compras, ir na casa da Eny, um bordel famoso e voltar a Campo Grande sem remorso algum. A chegada em Bauru estava prevista pra 14:30h aproximadamente. Pouco atraso. Já era quase meio dia, Paquito entregava alguns PFs e o trem se aproximava de Lins. Um dos Pfs foi entregue ao agente e ao seu colega, que finalmente se juntou ao mesmo, desistindo de qualquer ação. Ainda faltavam quase duas horas para o trem chegar a Bauru e Paquito aproveitava para insistir em oferecer refrigerantes geladinhos. Ao percorrer os vagões de segunda classe notou algo muito estranho. O casal com o bebe estava discutindo em tom baixo, mas bem perceptivo. Passou por eles e sentiu um cheiro diferente. Na volta, parou na porta do banheiro para observar melhor, já que o casal estava na primeira poltrona do carro. Foi quando viu o rapaz tirar um spray do bolso da jaqueta e pulverizar o ar. Notou que o spray era um desodorante chamado Bom Ar e pode perceber o aroma de lavanda. Achou esquisito mas seguiu seu trabalho. Quando voltou pra recolher os vasilhames, notou que o rapaz continuava pulverizando o ar, mas que de vez em quando, pulverizava na direção do bebê. Revoltou- se. Isso era demais.

-Olha aqui rapaz, tá certo que no fim da viagem o cheiro dos banheiros começa incomodar,  mas não precisava jogar isso no nariz do teu filho, caramba!

–           Não te meta, companheiro…

–           Tá bem… mas isso faz mal pro bebê…e que mãe é a senhora que deixa isso?

–           Já disse, não te meta,… esse trem fede muito… fora daqui….

Paquito não teve outra alternativa. Resmungando saiu pisando forte. Instintivamente, acercou-se dos agentes federais e comentou o ocorrido.

–           Vocês poderiam dar uma dura no rapaz… ele é muito abusado.

–           Não podemos fazer isso… o problema da higiene é com vocês… embora eu reconheça que o cheiro dos banheiros agora é mesmo caso de policia…

Paquito voltou ao carro restaurante e comentou com o Barba e com Rodolfo. Estava realmente indignado com aqueles pais. Imagine; jogar spray em cima de um bebê!!? O trem já saira  de Pirajui, faltava pouco mais de  uma hora pra chegar a Bauru e o calor era infernal. Paquito resolveu fazer uma última checagem em busca de vasilhames ou qualquer coisa que precisasse ser recolhida. Foi quando viu o rapaz pulverizar bem em cima do bebe quase em seu rostinho. Não se conteve. Voltou ao carro de primeira e praticamente intimou os agentes.

–           Vocês tem que ver isso e fazer alguma coisa… ele vai matar o filho desse jeito…

Pra dar um aspecto mais oficial a reprimenda, Paquito pediu aos agentes que colocassem o colete da Policia Federal. Assim o rapaz não o ofenderia e talvez ouvisse a voz do bom senso. De cara fechada, seguiu firme pelos corredores, acompanhando de perto pelos agentes, que iam com muita má vontade, aliás. Quando entraram no vagão onde estava o casal e Paquito os apontou lá no fundo, a reação da moça foi surpreendente. Ela deu um grito, que não dava pra entender o que dizia e simplesmente jogou o bebe no peito do rapaz. Após isso, saiu desesperada pelos corredores dos outros vagões. Enquanto isso o rapaz, com o bebe no colo, via Paquito e os agentes se aproximarem rapidamente e, meio sem ação, por estar sozinho tomou uma decisão surpreendente.

Arremessou o bebe na direção dos três. Paquito se atirou e pegou o bebe em pleno ar, sem entender nada. Atordoado, caindo por cima de outros passageiros, pode ver o rapaz sacando uma arma e rapidamente Paquito levantou-se e quase vomitou ao sentir o cheiro que vinha do bebê. Num gesto paternal, delicado e preocupadíssimo, foi arrumar a manta que cobria a criança. Foi quando viu que o bebe não abria os olhos. E mais, que estava frio. E mais; é que estava mesmo mortinho. Quis gritar, a voz não saiu, quis chorar, não saiu, quis largar a criança mas só conseguia ficar olhando para aquele rostinho pálido. Os outros passageiros dos outros carros já faziam um pequeno tumulto ao seu redor, subindo por sobre as poltronas, querendo saber o que estava acontecendo. Apertou o bebe de encontro ao peito com tanta força que percebeu que algo estourara. O mal cheiro aumentou e num misto de asco e incompreensão procurou saber o que fizera com aquele corpinho. Levantou a manta e percebeu uma enorme costura cirúrgica na barriga do bebê. Alguns pontos se abriram. Um dos agentes pegou a criança, tirou o fio da sutura e do abdômen da criança, já sem as vísceras, bastante inchado, e tirou vários sacos de plásticos, cheios de cocaína.

Paquito não acreditava no que via. Uma passageira desmaiou e, ao cair, bateu a cabeça na lateral da poltrona e sangrou muito. Uma outra passageira vomitou muito, inicialmente no marido e depois pela janela. O outro agente conseguiu capturar a suposta mãe quando ela ameaçava se jogar do trem em movimento. Pouco tempo depois o trem apitava anunciando sua chegada na gare central da estação ferroviária de Bauru. Não havia ninguém esperando os agentes federais. Os passageiros desciam, seguiam seus destinos, talvez comentando, talvez não. Os agentes ficaram no trem, no vagão do chefe, esperando que viessem agentes de Bauru para configurar o fragrante. Paquito, saudoso de casa, sentou- se numa mesa do carro restaurante e observava a plataforma com todas as pessoas se cumprimentando e carregando suas malas. Precisava ainda fazer um acerto de caixa com Rodolfo e torcia pra não ser convocado como testemunha. Quando a plataforma se esvaziava, viu os agentes levarem o casal, algemado, pra fora da estação. Ai entrou num banheiro, vomitou muito e chorou como uma criança. Chegou em casa quase começo da noite, abraçou a ‘patroa’ como chamava a esposa, passou a mão na cabeça do menino, beijou a menina mais velha e abraçou longamente a menorzinha, magrinha como um bebê. Ai; tomou um gole de cachaça e comentou que a viagem tinha sido normal; como todas as outras… só a sua vida é que deixaria de ser normal; pois precisaria, sempre ao lembrar-se, de um ou dois goles de cachaça……..                                   

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