A Angústia Original

 

 

 

Botucatu Anhembi

 

Eu me lembro do padre Lupércio falando sobre Adão e Eva em minhas primeiras aulas de catecismo. Lembro também que era o mais velho do grupo já que, pela minha rebeldia natural, atrasei o quanto pude o cumprimento das ordens de meu pai para que me tornasse um bom cristão.  Engraçadinho raivoso,  enrubeci  seu rosto e de todas as meninas do grupo ao perguntar como era possível  os dois peladinhos ali e não comerem da fruta proibida. E o Criador não tinha falado o crescei e procriai-vos?  Dogmas, ele dizia. Tem que acreditar e pronto.  Lembro que,  no dia seguinte,  levei uma surra de meu pai,  com ele me batendo em silêncio e eu só no ai, ai.

 

O tempo se passou e hoje continuo descrente como em meus doze anos. Penso no Big Bang, na contínua expansão do universo, resultante dessa explosão, na quase que total impossibilidade de outras dimensões e na pequenez da Terra. Mas penso também na engenharia dos sistemas biológicos e na arquitetura dos seres vivos. Estruturas fantasticamente perfeitas para o desenvolvimento de uma função específica.  Ecossistemas perfeitamente equilibrados em ciclos devidamente auto sustentáveis.  Seres vivos, na base da cadeia alimentar, devidamente programados e definidos para um objetivo.  Sensações provocadas por sons e cores da natureza,  emoções criadas por alterações de nossos instintos, mudanças bruscas em nossa escala de valores.  Como não pensar em todas essas coisas?

 

Volto a pensar no padre Lupércio. Acho que  ele não foi um bom comunicador pois ao invés de dizer que já nascemos com  um pecado, deveria ter dito que nascemos com uma grande dúvida, com a qual teríamos que conviver por toda a nossa vida. Acreditar na existência de um ser supremo e submeter-se ao comando que, pretensamente,  delegou a outros homens ou bastar-se!  Fazer-se forte o suficiente para não depender. Viver não errando, não causando mal para não ter satisfação a dar.  Isolar-se, se preciso.

 

Por outro lado,  bom seria imaginar um local de descanso,  sem competições, sem o peso do corpo, sem a corrida do tempo, sem a sensação da perda. Dá pra acreditar nisso?